2009/08/07

SOBRE O FIM

Despretensiosamente eu ouvia qualquer canção importada, tão somente para me dar ao luxo de pensar em você. Eu provocava as minhas lembranças remontando a memória de nós dois, como em um jogo de quebra-cabeças. Não posso dizer que o teu gosto ainda passeia em minha boca, só os beijos que não demos é que permanecem incólumes nas minhas recordações.
Resolvi agir apenas uma vez, era como se eu abrisse o armário e escolhesse a melhor roupa, um vestido de cores fortes que deixavam as minhas pernas à mostra, e eu sabia a conotação das pernas nuas, mas não deixava de mostrá-las.
Discar seu número causava em mim um certo desconforto, pois se um dia eu o soube de cor, entre as tantas coisas apagadas, aquela fração de números passou pelo mesmo processo de esquecimento, de negação, de desistência. Mas disquei assim mesmo, e não me causou estranheza encontrar sua voz do outro lado, nem por você estar em casa em um dia improvável, nem por ficarmos ali estarrecidos pela presença um do outro e uma gama de fios e chiados entre nós. Só o que eu ouvia, e a mim soava como o prelúdio de uma história já conhecida, era o seu convite para um encontro imediato.
E eu fui. De pernas cobertas e alma na mão eu fui ver o que havia naquela mesa além de nós, das nossas palavras dispersas e do encontro da sua alma, alma essa que você trazia dependurada pelo braço, com a minha, aquela que eu ainda arrastava pela mão. E as palavras se perderam noite adentro, passearam de bar em bar, foram morar na sala de TV, onde já riamos um do outro e, sem grandes pretensões, sonhávamos.
Eu sempre gostei das madrugadas, na hora dos gatos pardos é que a minha vida acontece. Senti frio durante a despedida. Senti que você nunca mais estaria ali e mais uma vez eu pedi que não fosse embora. É de confessar as minhas fraquezas que percebo as mínimas mudanças, minúcias amadurecidas em desejos vitais, com o passar dos anos. Mudou em mim a vontade insistente de te colocar dentro do universo que se fez quando eu disquei o seu número.
O indizível e o intocável continuam permeando a sua memória e agora vivem em seus pensamentos, mas o fascínio para mim está nas delicadezas de nós dois e na leveza que a vida assume quando estamos abraçados. Por mais denso que seja o que sentimos e por ser incomensurável a intensidade com que sentimos, eu sou tomada de uma leveza quase insustentável quando estou em seus braços.
Outra vez eu não sinto mais o sabor ou o cheiro que aquela madrugada tinha. Por muito que eu sinta o quanto qualquer gesto meu mudaria a direção dos seus passos, eu permaneço estática, por escolha ou pela força que ainda me falta, por não ver respostas da vida, de não encontrar caminho possível para andarmos lado a lado.
Volto a esquecer seu número no mesmo dolorido e covarde processo: negação, desistência e esquecimento. Como se me fosse possível esquecer.


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