Hoje acordei casada com você. Estava na sacada do apartamento claro, tomando café, sentada sobre uma cadeira dessas de varanda, de varanda de gente casada. Cadeira de almofadas coloridas, cores de Miró. Você sempre gostou do Miró.
O café quente fazia vapor para eu soprar, e eu soprava como quem esfria leite antes de dar ao filho. Eu soprava e olhava o movimento do café escuro na xícara branca. Xícara branca e grande, dessas que não pertencem a jogos, vêm soltas, livres e sozinhas como eu fui um dia. Nunca mais eu quis ser xícara depois de você. Por isso acordei casada.
Amanhã vou levar nossa filha ao jazz, vestida em lycra e moletom. Barrigudinha, as pernas longas e magras, corpo desproporcional de menina de dez anos. Os olhos enviesados de Lily Briscoe, eu a chamo de minha ‘pequena miss sunshine’ e você sorri, lembrando do filme engraçadinho e de como ela se parece com a miss, só que com seus olhos, os seus olhos enviesados.
Deixei você dormindo para ir olhar as ondas de cima, pela sacada, eu sempre amei o mar. Eu já amava quando era só um reflexo na sua janela, longe da minha terra, e eu longe do seu olhar cheio de mar. Você escolheu a vista e me mostrou, me deu o mar. Quis casar. Hoje amanheci ao seu lado na cama.
Você ficou no quarto, cama em verso, chão em prosa, parede em melodia, sofá samba-canção. Dormindo depois de casar comigo, morar comigo, me dar seus lusitanos, em troca dos meus tão brasileiros. Levei meus discos, meus escritos, minha boca. Pedi suas mãos bonitas e a minha desordem que vem colada à sua, sua boca minha.
Amanhã quando estiver voltando do trabalho compre cerejas, daquelas em calda, das que como apaixonadamente, enchendo a boca da boca de quem se ama.
Queria sair para caminhar, olhar a rua e comprar as coisas para o café da manhã, mas não posso perder de te ver acordar e dizer sorrindo que eu disse sim, ‘feliz de mim porque ela disse sim’.
O melhor foi negar. Neguei minhas convicções e descobri que liberdade é para quem tem medo de amar. Foi Luz quem disse, num conto da Piñon, você nem gosta da dela - da Nélida - mas soube apreciar Luz dizer: “Liberdade é para os fracos... então a amei”. Neguei o sonho de mulher moderna, que caminhava entre viajar, não casar, ser do mundo. E depois de tanta modernidade eu quis ser a velha, a que te namorou, te noivou, te casou e te ama. E de amar assim, casou-se contigo num sonho clichê, de filme lugar comum, de história de romance de bolso.
Hoje vou dormir vendo suas pernas enroscarem-se às minhas, sentindo o cheiro da sua respiração, vou dormir te ouvindo dizer, lábios colados aos meus, que nossa felicidade conta-gotas vai encher a casa de mar.
2009/11/09
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4 comentários:
Não há mulher moderna que resista ao calor do aconchego que é amar... Seu blog fez eu me deparar com o questionamento da liberdade pela segunda vez em meia hora, logo após eu ter pensado nessa questão. Incrível, não? Adorei o texto.
Linda de amar!!!
Minha bebê, eu sei do mar que te toca a boca em vai-e-vem de persistência. O mar, o de dentro. o seu. Eu torço.
Bravíssimo.
Amei Gabi... saudades de você. Entra no meu blog também e seja minha primeira seguidora hehehe
http://asbellaluna.blogspot.com/
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